Grupo de História das Populações

Investigadores Projecto Espaços Urbanos

 

SANTOS, Carlota Maria Fernandes dos - Santiago de Romarigães, comunidade rural do Alto Minho: sociedade e demografia (1640-1872)

Com esta investigação, a autora propôs-se a analisar a evolução demográfica de uma comunidade do Alto Minho que, dadas as suas características ambientais, económicas e socio-culturais, tenderia a projectar uma configuração regional mais vasta e a particularizar a dinâmica dos elementos socio-estruturais responsáveis pela intensa e persistente mobilidade geográfica da sua população.

Revestindo esta abordagem um carácter essencialmente monográfico, isolaram-se os indicadores de nupcialidade, fecundidade, mobilidade e mortalidade, construídos a partir da reconstituição das famílias naturais e/ou residentes na paróquia de Romarigães, privilegiando um processo comparativo susceptível de evidenciar os momentos de aproximação ou afastamento relativamente aos comportamentos demográficos verificados em outras comunidades, segundo uma metodologia idêntica.

Durante o percurso, a investigadora procurou articular a informação estatística com dados de natureza qualitativa que, passando pela observação de casos particulares, permitiram flexibilizar a rigidez dos valores médios e avançar no sentido da contextualização social dos diferentes comportamentos adoptados.

O estudo danupcialidade revelou a prevalência de um casamento tardio feminino, acompanhado de uma nítida superioridade etária relativamente ao sexo masculino, fenómeno que encontra eco em outras freguesias nortenhas como a zona rural de Guimarães, Santa Eulália, Alvito S.Pedro e as paróquias de Villalonga-Dena e Hio na Galiza. Do mesmo modo e reproduzindo uma tendência predominante na região do Alto Minho, verificaram-se elevados níveis de celibato definitivo em ambos os sexos, sobretudo em relação às mulheres e, mais acentuadamente, durante a segunda metade do século XVIII. Sendo a nupcialidade a variável demográfica mais directamente exposta à influência de factores culturais, como a estrutura de autoridade da casa camponesa e os processos de transmissão da exploração familiar, os resultados apresentados assumem-se como um contributo para a compreensão de uma área cultural de contornos ainda não completamente definidos mas que abrangerá, seguramente, uma parte do Noroeste do país, penetrando além fronteiras pela região vizinha da Galiza.

As taxas de fecundidade legítima, apresentando valores relativamente inferiores aos que foram calculados para qualquer uma das paróquias acima referidas, apontam para uma combinação actuante do casamento feminino tardio e de largos intervalos médios protogenésico e intergenésico que, por sua vez, se correlacionam coma forte mobilidade geográfica da população masculina e com uma esperança média de vida que tende a penalizar as mulheres casadas.

Ajustando-se a um quadro cultural moldado pelas estruturas socio-económicas e políticas da época, foram detectados níveis significativos de ilegitimidade, a partir do início de setecentos, atingindo sobretudo as mulheres celibatárias identificadas com os estratos sociais mais desfavorecidos. Reconhecendo a diversidade e complexidade de circunstâncias susceptíveis de incentivarem estes comportamentos desviantes, a autora procurou, através do estudo de casos, destacar a relevância das disfunções geradas por contextos familiares e socio-económicos constrangentes e, numa perspectiva diacrónica, observar a reprodução dos padrões de ilegitimidade ao longo de várias gerações.

Relativamente à mobilidade geográfica, na impossibilidade de proceder ao seu estudo exclusivamente a partir dos indicadores fornecidos pelos registos paroquiais, a investigação ensaia a reconstituição de um trajecto migratório desenvolvido ao longo da primeira metade do século XVIII e que, tendo como destino o Brasil, particulariza um tipo específico de emigração, acompanhado de posterior retorno e associado a um processo de ascensão social. Com efeito, a organização das informações colhidas em diversas fontes, viabilizando uma leitura de índole biográfica, não só permitiu caracterizar o perfil socio-cultural do seu actor, como também definir a natureza dos contextos familiares e relacionais envolventes que, projectando códigos culturais decifráveis, tornam possível recriar o espaço de interacções onde a emigração alto-minhota se enraíza e adquire significado.

A aproximação da mortalidade que, dadas as limitações das fontes paroquiais se circunscreveu à população adulta e casada, revelou níveis de sobrevivência moderados se compararmos a esperança média de vida, das gerações nascidas entre1640 e 1818, com os valores muito inferiores calculados para a freguesia transmontana de Poiares e os elevados níveis de sobrevivência registados na paróquia de Ronfe, no Baixo Minho. Por outro lado, a evolução crescente da duração média das uniões, aponta para uma progressiva diminuição da mortalidade no grupo dos indivíduos casados, reflectindo a ausência de momentos de sobremortalidade a partir de meados do século XVIII e, provavelmente,ummenor impacto dos acidentes de maternidade.

Neste contexto, reprimindo um crescimento demográfico insustentável, numa economia desubsistência essencialmente dependente da agricultura de cereais e da criação de gado, a emigração (cíclica ou definitiva) constituíu um elemento regulador decisivo, moderando as taxas de nupcialidade e de fecundidade legítima e contribuindo para uma reduzida dimensão média das famílias. Esta função reguladora aparece reforçada se considerarmos a inexistência de mortalidade excepcional durante o século XVIII, uma esperança média de vida relativamente favorável e uma duração média das uniões conjugais que, a partir de meados do século, ultrapassa os 25 anos, factores que tendem a retirar à mortalidade a sua primazia como variável explicativa do regime demográfico antigo. No mesmo sentido, o casamento tardio feminino teria desempenhado um papel igualmente relevante, acentuando os efeitos de travão desencadeados pelo fenómeno migratório e favorecendo o desenvolvimento de um modelo cultural assente numa certa forma de "matriarcado" o qual, por sua vez, lhe serve de estímulo e de suporte.